✕
Catedral
2001
**Relato de Lúcia de Paula – Maringá, 1984**
Meu nome é Lúcia de Paula, tenho dezenove annos, trabalho no armarinho, e venho contar o que vi com meus próprios olhos na madrugada do dia primeiro de novembro deste anno.
Subi a escadaria da catedral pra rezar, pois andava com peso no peito e sonho ruim me rondando. As portas estavam entreabertas, e lá dentro não havia vela acesa, só um brilho azulado que vinha lá do altar.
Me escondi atrás de um pilar, sem fazer barulho. Vi três padres juntos, mas não eram padres. Começaram a tirar a roupa e junto dela vinham as peles — como se estivessem descolando a cara, braços, tudo. Por baixo era corpo magro, cinza, sem boca, só olho grande e fundo. Um deles estalou os dedos e do chão subiu luz forte, como clarão de estrela.
Fiquei parada, com a mão na boca pra não gritar. Eles falavam sem voz, um som direto na cabeça, como eco de pedra afundando na água.
Um deles vestiu de novo a pele, ajeitou a batina e foi pra porta acender as luzes da igreja.
Saí correndo pela lateral e nunca mais entrei ali. Eles não rezam. Eles vigiam.
— L. de Paula, escrito à mão trêmula, sem contar a ninguém.
Submitted by:
