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Catedral
1984
**Relato de Custódio Ferreira – Maringá, 1984**
Eu me chamo Custódio Ferreira, filho de José do Engenho, e venho contar o que me sucedeu na noite do dia vinte e três de setembro do anno de mil novecentos e oitenta e quatro, estando eu com vinte e dois annos feitos.
Vinha a pé pela rua atrás da catedral, voltando da casa de um amigo com quem joguei dominó, quando vi luz forte sobre o bosque, coisa que não era farol de carro nem lâmpada de homem. Me aproximei, curioso, sem temor no peito, pois sempre fui descrente dessas falas de alma penada.
A luz aumentou, ficou branca como leite fervido, e tudo à volta silenciou — nem grilo, nem vento, nem o próprio pensamento fazia ruído. Senti um puxão no peito, como se corda invisível me arrastasse pro céu, e minha vista se apagou.
Acordei deitado n'um leito frio, cercado de figuras altas, magras, de olhos grandes e pele cinza. Nenhuma boca se mexia, mas as palavras me vinham dentro da cabeça. Falaram pouco, tocaram muito. Enfiaram coisas nos braços e nas costas. Sentia tudo e nada. Era como sonho doído.
Quando despertei de novo, já estava largado num canto de terra batida, perto da avenida que desce pro centro, roupa suja de barro, relógio parado, e o dia quase clareando. Vomitei três vezes, e os olhos ardiam como brasa.
Desde então não durmo direito. O tempo passou, mas sinto que não me devolveram inteiro.
— C. Ferreira, escrito em silêncio, no mês de outubro do mesmo anno.
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