O sonho

+Submit Your Story
A fábrica
abril de 2023

“o sonho que tive parecia bem real, sentimento não profundo ou profundo, de alguma coisa com algum sentido não perceptível, eu acho que o culpado é aquela garrafa. A velha garrafa poderia conter algum tipo de alucinógeno” Meus pés nus tocavam a calçada naquela madrugada fria. As roupas ainda coladas ao corpo, touca apertava a cabeça e cobria minhas orelhas do vento gelado. Daquela brisa fria que vinha de algum lugar. Além da massa preta atrás das casas_ brancas e sem vida do outro lado da rua. Desconcertantemente ao tentar caminhar, meus dedos resvalavam em uma superfície não sólida, que por vezes tentava me aprumar e fixar os dedos gelados na superfície não rugosa. Que por vezes me fixava ao chão e permanecia no mesmo lugar. Que por vezes voltava a fitar a escuridão que me chamava, formando imagens que desapareciam, de uma escuridão cada vez mais escura. Ouvindo os sons que se formavam no misturar das cores soturnas. Sabia que era um sonho, pois não poderia ser verdade, que a lua, emitindo um brilho alaranjado forte, fosse feita de engrenagens e peças que se movimentavam como uma máquina. Estava numa rua, longe de casa. A fábrica ao lado começou a trabalhar. Uma enorme escada foi posta da rua até a lua, trabalhadores subiam e desciam os enormes degraus, que se fixavam na escuridão, carregando peças e engrenagens. Trajados de roupas pretas, capas escuras e mascaras negras; além de um monte de metal, e outros que se fixavam em seus corpos à medida que se aproximavam da luz e se perdiam na lua. As vozes da fábrica gritavam, por vezes, pedia pressa, balbuciando como um animal. Não ousei encará-la, pois sentia o cheiro da dor e temia ser obrigado a caminhar. Permaneci imóvel e percebi que não era o único a sentir a brisa gelada. Vultos além da escada descansavam seus corpos numa calçada. Tinham ao seu lado os macacões de trabalho. Uns dormiam, outros estáticos observavam o vai e vem dos que ainda não fizeram a pausa. Olhos fundos, marcas de expressão que se confundiam com escuridão. Suas mãos tremiam a cada grito do monstro de metal. A mim não poderia ser diferente, ainda temia ser descoberto. Meu ócio, mesmo num sonho, me condenava. Quase despertando, ouvi a voz do monstro gritar mais forte, e sentia que se dirigia a mim. Os trabalhadores que descansavam levantavam seus pratos de comida em minha direção e me ofereciam uma chance de confundi-lo. Seria minha pausa do trabalho. Não estaria fazendo nada de errado. O gritar da fábrica foi ficando mais intenso. Sentia colado aos meus ouvidos o ladrar constante. O medo me fez correr até a escada. Macacões jogados. Poderia vesti-los e voltar ao trabalho. Os gritos foram ficando mais altos. Sentia de perto o baforar do cão no meu pescoço. Tinha que voltar ao trabalho ou aconteceria algo pior; morrer de fome, dormir na rua, ou alienar meus pensamentos ao cão que ladrava? Estava sentindo o peso dos macacões, escolhendo qual seria melhor para mim. Decidi me virar e olhar olho no olho do monstro que me atormentava. Olhei, e os gritos pararam. Ao fundo vi a inocente fabrica estática. Em cima, em seu telhado um ser alto, magro, gordo, baixo, de aparência feminina, de aparência masculina, roupas grandes, ternos finos, um chapéu largo. Ele me fitava sorrindo, era um dos trabalhadores, ou se parecia com eles, ou fingia ser um deles. Se virou e desceu para dentro de sua fábrica. Eu despertei do sono como gostaria. Uma carga de medo tinha quase me impedido. Bocejos cansados, olhos fundos, marcas de expressão que se confundiam com escuridão do meu quarto. Minhas mãos tremiam. Ainda fixando a escada coloquei minhas roupas pretas, minha capa escura, minha mascara negra, agarrei um pedaço de metal e subi em direção a lua. “A lembrança do sonho me atormenta até os dias atuais. Felizmente me livrei da garrafa e os pesadelos terminaram”

Submitted by:
Rafar