Araucária

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Praça
1965

Querido primo, espero que esta carta lhe encontre bem. Sei das suas adversidades, e sei bem do mal que lhe acometeu. Mas não se preocupe, logo menos estará são outra vez, e poderemos conversar pessoalmente. Sei que seus pais se afastaram, mas acredito eu, ser por um breve momento; a culpa não é sua de estares doente, eles logo entenderão; fique tranquilo. No mais, afim de te entreter, lhe contarei as histórias, verdadeiras e sinceras, que outrora lhe contava quando ainda lhe via face a face. Esta se chama “Araucária” e aconteceu no centro da cidade, em frente a igreja, na praça de uma única árvore. Quando minha avó Umbelina tinha uns 19 anos, ela morava em uma fazenda, e lá namorava um rapaz, um nobre fazendeiro, sendo belo de aparência e forte (isso minha tia que conta). Mas desconfiava o rapaz que ela não tinha interesse nele, e o namorava de fachada para enganar os pais, pois dizia ele que minha avó vivia de namoricos com uma certa amiga no centro. E ela a amava incondicionalmente e estavam sempre juntas, e nas palavras de Umbelina “um amor cristão”; Tal qual Jesus ama a sua igreja, o seu amor com ela era puro, sem maldade. Encontravam-se sempre, nos domingos após a missa, em frente a Igreja, na praça, sentadas ao lado do pé de Araucária. Certo dia, estando ela aguardando seu amor na “única árvore”, percebeu o quanto o sol caminhava pela imensidão dos céus e a sua paixão nunca chegava. Pelo contrário, viu na distância se aproximando, o homem belo de aparência e forte, bem vestido, segurando um ramalhete em uma das mãos, e o sorriso nervoso no rosto. Sentou-se ao seu lado e ali permaneceu até seu semblante mudar drasticamente do sorriso sem graça para a face do descontentamento. Um choro repentino saiu de seus olhos raivosos, e em meio a beijos forçados confessou o crime praticado. Dizia que viu em um sonho, e no sonho Jesus lhe dizia para que com sangue se livrar do mal que aos poucos o destruía. Umbelina se viu chorando e soluçando loucamente, correu o máximo que podia em direção a casa de sua amada, ali descobriu que a amiga havia morrido de maneira trágica, atropelada por um trator de fazenda, cujo motorista fugiu sem prestar socorro. O relacionamento com o seu, agora marido, continuou por longos anos, e durante todo esse tempo ela amargava de dor. Ficara proibida, pelo homem de visitar a defunta no cemitério. Mas sempre aos domingos ela ia até o pé de Araucária e ali permanecia até a noitinha com lembranças fúnebres. Em um desses domingos ela, aos prantos, olhou para os céus e disse: “Senhor por favor me leva com você, eu não aguento mais, eu quero morrer”. O dia passou e nesse mesmo dia, a noite ela teve um sonho, e no sonho ela estava com sua amada na praça, sentadas ao pé da árvore. Sua amada lhe olhou profundamente e perguntou: “Umbelina, minha namorada, você quer mesmo vir comigo?”. Sem pestanejar minha avó respondeu: “sim, eu quero ir com você”. “Muito bem, faça o que vou lhe dizer, hoje as oito da manhã, você vai até o pé da única árvore, hoje as oito da manhã você vai até o pé da Araucária, como sempre faz e eu estarei lá te esperando”. Acordou assustada e fazendo sua última oração, como de costume, foi em direção a praça se despedir de sua vida. O marido, que vigiava seus caminhos constantemente, decidiu outra vez, e dessa vez “definitivamente” (palavras dele) por um fim nesse amor, pegou seu melhor machado e partiu seguindo-a pelas ruas. Ao vê-la se aproximando da Araucária alçou o machado para o alto e cravou, com bastante força, em seu tronco. As pessoas que caminhavam nas ruas, ou os que saíam da igreja ao redor viravam seus rostos, tapavam seus olhos, e fugiam. Não acreditavam no que viam, um homem louco, dando machadadas ferozes na única árvore da praça. Era uma bela araucária, seu tronco era mais grosso que a maioria das araucárias (Lembra dos Baobás? era exatamente assim, tirando a parte superior, que tinha cara de araucária), o que fazia ela ser admirada; deveria ter, e diziam ter, milhares de anos, que estaria ali antes mesmo da cidade ser construída. Ninguém ao redor teve coragem de se aproximar quando a árvore, em seu último suspiro de vida, se ergueu, mostrando suas enormes raízes, e com elas se rastejando em direção ao homem, que ficou estático. E se posicionando acima de sua cabeça, caiu estrondosamente por cima dele, esmagando-o, tal qual o amor de Umbelina fora esmagada. As folhas se secaram instantaneamente e o tronco afundou uns quinze centímetros no solo, enterrando o homem ali mesmo. Umbelina conta, e algumas outras pessoas que estavam ali, contam, que uma voz partindo da árvore bradou: “Eu testemunhei o amor que nunca feriu ninguém, testemunhei a confissão de quem em nome de seu Deus o destruiu. Minha justiça é guiada pela natureza, já que nem humano eu sou. Vi a hipocrisia dos que vão a casa do criador, vi a dor no coração de uma pobre moça. Carrego seu pesar e seu luto em minhas folhas e tronco, e que o meu fim lhe traga consolo ao seu espírito e liberdade à sua alma. Parta, então, com a certeza de que o amor que compartilhou será eterno, adeus, querida, e que sua jornada seja iluminada pelo amor que transcende todas as barreiras.” A árvore já não existe mais, depois que morreu seu tronco foi tirado da praça, inclusive o morto, sendo enterrado posteriormente no cemitério da cidade. Dizem que a árvore era um índio que se transformara em Araucária séculos atrás, outros dizem que era um padre, tem até relatos antigos de viajantes que diziam vê-la “caminhando” e que se tratava da primeira Araucária do Brasil, e que ela constantemente andava por todos os cantos do país procurando repouso e vigiando seus moradores. Este é o fim da história, espero que ela lhe traga conforto, assim como trouxe a minha avó. Mas enfim, fique bem meu querido primo, quero te ver logo.

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RafaR