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Araruna
Primeiro de Abril de 2024
“Os sons desafinados das cordas de um violão a algumas quadras de distância. Os louvores sussurrantes da “seita do criador” ecoando pelos troncos das árvores; as velhas que rangiam a antiga floresta, e ondulavam em desarmonia até meus ouvidos cansados de tanto dormir. “
Este é o relato do que vi e ouvi na madrugada do primeiro dia de abril desse ano. A garrafa estava em minha posse. Aquela que decidira me livrar. Estava convicto de que era ela que me trazia sonhos e pesadelos terríveis. Era a chance de tentar me livrar de tudo aquilo e dar ouvidos a minha avó. A senhora de oitenta e três anos, que era minha vizinha, moradora da cidade há muitas décadas e conhecedora dos seus segredos mais profundos. Ela me aconselhara a me livrar do objeto, disse-me para não voltar a procurá-lo. Ela escondia alguma coisa, e isso me incomodava bastante.
Fui até a rua ao lado da floresta e fiquei por um tempo segurando o objeto. Ouvi sons estranhos das profundezas da mata, me escondi quando percebi passos distantes que iam se aproximando devagar. Uma caravana de umas sete pessoas vinha descendo a rua, cada qual usavam vestes vermelhas, tal como túnicas, capuzes que cobriam seus rostos, e luvas e botas que cobriam mãos e pés. As primeiras três pessoas segurava um grande livro, marrom feito de madeira, as outras duas segurava uma criatura de aparentemente um metro e meio, corpo humanoide da cintura pra cima e pernas de cavalo, cascos e calda da cintura pra baixo. Na parte superior o rosto morto, chifres, a pele avermelhada ensanguentada, uma criatura que jamais havia visto na vida, do que eu descreveria como sendo um demônio. As últimas seguravam uma enorme cruz e chorando silenciosas sussurravam cânticos em uma língua que eu não conhecida.
As coisas estranhas poderiam ter terminado por aí, mas decidi me aventurar ainda mais na loucura. Quando percebi que os sete se afastaram floresta adentro, decidi segui-los, ainda com a garrafa em mãos. A cidade onde nada de estranho acontecia. Enquanto os seguia, por vezes torcia, desejava ou acreditava que poderia ser só uma brincadeira de uns jovens arruaceiros, não queria que isso fosse só coisa da minha cabeça.
Chegaram a um campo vazio, fora da floresta, eu permaneci dentro, escondido. Se dispuseram em um círculo e puseram a criatura demônio no meio deles. Um ritual bizarro com cânticos, a leitura do livro, choro e oração começou. Por fim, com madeira e fogo queimaram o ser já morto e fizeram uma última reza, com mais cânticos, leitura e choro sussurrantes.
Eles ficaram conversando por horas, silenciosamente, até que uma caminhonete chegou e os levou. A criatura demônio havia se transformado em cinzas e poeira, que se misturou com a terra e a grama, desaparecendo por completo, com o soprar do vento. A manhã despontava devagar, o sono que antes não sentia já me arrebatava. Segurei a garrafa e uma das mãos e a lancei longe, para algum lugar no meio da floresta. Tinha decidido ir pra casa e enviar mais esses relato, terminar por aqui essa sequência de maluquices, mas não, tinha uma curiosidade que me atormentava. Queria sanar os mistérios dessa cidade, e tinha uma única pista que poderia me levar até eles. Voltei correndo para casa afim de anotar os números da placa da caminhonete.
Submitted by:
Rafar